Sem dúvida a sociedade contemporânea
seria muito diferente se o conhecimento cientifico estivesse ausente da sua
construção. A ciência hoje é uma saber imprescindível, “normatizando” em muitos
casos nossas vidas, como por exemplo restrição do comportamento de fumar em
ambientes fechados.
A Ciência introduz-se em praticamente
todos os âmbitos de nossas vidas: familiar, social, sexual, trabalho etc. Busca
esquadrinhar a nossa existência, no sentido de desvelar o que ainda não foi
descoberto ou compreendido. Justifica esta “intromissão” com o argumento de que
o conhecimento dos fenômenos, sejam eles naturais ou sociais, permite-nos
enfrenta-los melhor, e em alguns casos, elimina-los.
Para o bem ou para o mal, não podemos
ignorar o poder que a ciência acumulou ao longo dos séculos. Se no seu
nascimento restringia-se a alguns iniciados ou sociedades secretas, hoje
qualquer “mortal” poder ter acesso ao saber cientifico, que a partir da Idade
Moderna intensificou a “popularização” das suas descobertas ou conclusões. São
vários, atualmente, os meios de divulgação aos quais a Ciência recorre, mas,
com certeza, a internet é o principal deles, a ponto de algumas revistas
cientificas deixarem de publicarem edições impressas adotando a publicação
virtual.
A pesquisa cientifica, fundamento da
Ciência, permite-nos desbravar “mundos” ainda poucos conhecidos ou de difícil
acesso. Seus resultados nos ajudam a lidar melhor com o mundo que nos cerca,
compreendendo-o, transformando-o, afetando-nos também, pois o nosso modo de ser
e relacionar-se com a vida, mesmo que muitas vezes não nos demos conta disso,
passa pelo filtro da ciência. Se durante séculos nossos modos de existência
foram fundados nos valores apregoados pelo Estado e pela Religião,
contemporaneamente, tal poder é divido com a Mídia e a Ciência.
Na medida em que entendemos mais a vida
e o mundo que nos cerca, nosso quadro de referência se amplia. Se estivermos
abertos ao novo, ao diferente daquilo que somos ou pensamos, acontece uma
revisão de valores fazendo com que algo que antes nos era estranho ou impensável,
naturalize-se em nosso referencial em virtude do salto da ignorância para o
saber. Daí o conhecimento cientifico ser importante, não o único, na
desconstrução de valores que nos levam ao preconceito, discriminação e a
intolerância.
Não é por acaso que os movimentos
sociais mais mobilizadores contemporaneamente, além de ações políticas e
midiáticas, adentraram no mundo acadêmico, na busca de um campo de debate que
lhes possibilitasse a construção de um pensamento consistente, de sustentação
ideológica e de reconhecimento público. Isso aconteceu com o movimento
feminista, o movimento negro, o movimento homossexual, o movimento
ambientalista. Uma rápida pesquisa ao site da CAPES (http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/)
nos permite uma visão aproximada do grau de interesse da sociedade por tais
questões.
Na busca com os termos “movimento
feminista”, movimento negro”, “movimento homossexual”, “movimento
ambientalista” obtivemos as seguintes ocorrências em relação a produção de
teses e dissertações no pais desde 1987:
Palavra chave
|
Ocorrências
|
Movimento
ambientalista
|
1210
|
Movimento
negro
|
761
|
Movimento
feminista
|
459
|
Movimento
homossexual
|
91
|
Quando, repetindo o mesmo procedimento,
utilizando o temo “movimento naturista”, obtivemos 18 ocorrências, porém
nenhuma destas teses/dissertações apresenta como objeto de pesquisa o nudismo,
mas se referem às correntes de pensamento nos campos da Arte, Politica etc.
Utilizando variações dos termos, tais
como feminismo, homossexualismo e nudismo, temos os seguintes resultados:
Palavra chave
|
Ocorrências
|
Feminismo
|
1370
|
Homossexualismo
|
647
|
Nudismo
|
0
|
Mas, pesquisando mais detalhadamente
encontramos quatro trabalhos acadêmicos que apresentam o movimento naturista
como objeto de pesquisa, sendo uma tese (doutorado) e três dissertações
(mestrado). O primeiro trabalho foi defendido em 1992 e o último em 2009, nas
áreas de Antropologia, Ciências Sociais, Antropologia Social e Educação
Ambiental, são elas:
Titulo:
O nu e o vestido: uma etnografia fa nudez na praia do Pinho (1992)
Título:
“Vivendo “nu” paraíso”: comunidade, corpo e amizade na Colina do Sol (2005)
Titulo: “Da Praia aos Poros”: uma etnografia do naturismo na Praia do Abricó/RJ
(2008)
Título: A ética e a
estética dos corpos nus: um estudo de caso do naturismo como proposta de
educação ambiental (2009)
Comparando tais resultados com temas
voltados para questões sociais, a diferença torna-se bem maior:
Palavra chave
|
Ocorrências
|
Saúde
pública
|
7835
|
Violência
|
6171
|
Até a poesia, arte de “menor consumo”
entre os brasileiros, apresenta 3.486 ocorrências no banco de teses da CAPES,
indicando que um fenômeno não precisar ser popular para chamar a atenção da
academia. Por outro lado, os termos swing/troca de casais apresentam o retorno
de duas ocorrências. Coincidência, ou não, tanto o nudismo como o swing são
práticas que confrontam as regras morais socialmente vigentes.
Tomemos como exemplo a Universidade
Federal da Paraiba, com cursos de graduação e pós-graduação em Turismo, Sociologia,
História, Psicologia, Antropologia. Produz anualmente dezenas de monografias,
dissertações e teses, mesmo tendo seu principal campus localizado em João Pessoa,
a apenas 30 km de Tambaba, não desenvolve sequer uma pesquisa a respeito do
naturismo, o que seria “natural” tendo em vista Tambaba ser considerada uma
praia de nudismo conhecida internacionalmente, recebendo centenas de turistas
estrangeiros. Honrosa exceção encontramos em José Wagner, que luta para inserir
a questão do naturismo no cotidiano da Universidade, parecendo, no entanto,
obter pouco sucesso.
Olhando o outro lado da moeda, os
naturistas também não se mostram muito interessados em discussões cientificas
ou teóricas sobre o naturismo. Poucos buscam se apropriarem dos estudos e
pesquisas relativas ao tema. Luiz Fernando Rojo e Luciana Arraial foram os
únicos autores, que tenho conhecimento, que chegaram a discutir seus trabalhos
no meio naturista, e pelo que sei, em apenas uma oportunidade cada. Da mesma
maneira, dificilmente encontramos disponibilizados tais trabalhos em sites
naturistas, nem mesmo na página da FBrN, que deveria ser a maior interessada,
exceto com a monografia de João Carlos Lima (Meio Ambiente e Naturismo), sequer encontramos uma referência sobre textos
acadêmicos.
Cris Natal, propôs a criação de um grupo
de estudos sobre naturismo/nudismo via net, mas não conseguiu viabilizá-lo em
virtude da inexistência de naturistas interessados na proposta, salvo uma ou duas
exceções. Lá se vão alguns anos desta única tentativa de inserir a discussão
acadêmica no meio naturista, não ocorrendo, que eu saiba, mas nenhuma
mobilização neste sentido.
Penso que ao distanciar-se da Academia, o
Movimento Naturista relega ao limbo um importante espaço de reconhecimento
social da prática naturista. As trajetórias dos movimentos sociais - feminista,
ambientalista, negro, entre outros - reforçam nosso entendimento. Não há porque
mantermos tal distância, pelo contrário, o saber cientifico poderá contribuir,
e muito, para que a sociedade aceite que só queremos ficar nus.
Angatu!
Prezado,
ResponderExcluirÉ com grande satisfação que informo que, dentro de pouco menos de um mês, a tese "Vivendo 'nu' Paraíso" estará sendo publicada pela Editora Dígrafo, do Rio de Janeiro. O lançamento deverá ser realizado, salvo algum atraso na última etapa de edição, durante a Reunião Brasileira de Antropologia, em São Paulo. Em seguida o livro estará disponível no site da editora para encomendas.
Atenciosamente,
Luiz Fernando Rojo
antropólogo